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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Jornadas Anarquistas 2011 - Declaração Final

Por Fórum do Anarquismo Organizado

Durante os dias 25 e 26 de janeiro de 2011, na cidade de São Paulo, se
realizaram as Jornadas Anarquistas, convocadas pela Federação Anarquista
Uruguaia (FAU) e o Fórum do Anarquismo Organizado do Brasil (FAO).


Jornadas Anarquistas
Enero / Janeiro
2011
São Paulo / San Pablo

A realização destas Jornadas tem por objetivo o desenvolvimento do
anarquismo especifista na América Latina, visando o intercâmbio e a
coordenação das organizações políticas anarquistas que se inserem nesta
corrente. O debate se coloca sobre temas comuns a todas essas
organizações, em relação aos quais se vem trabalhando e contribuindo a
partir de cada lugar, a partir das lutas cotidianas, a partir das criações
e recriações que surgem da análise de elementos que entendemos ser
estratégicos para a construção do socialismo libertário em nosso
continente: o Poder Popular e o Federalismo Libertário.

Isso é uma necessidade, porque acontece hoje, fruto de um processo
histórico, um desenvolvimento importante de nossa corrente do anarquismo,
assim como uma construção teórica e política concreta. Esta construção faz
com que essas organizações de vários países busquem confluir em um âmbito
de comunhão ao qual todas elas aderem.

O Poder Popular como elemento estratégico

"Nunca cessarão de existir as esperanças e os sonhos de emancipação dos
povos; a experiência social cria novos conceitos de justiça e de liberdade
que nada tem a ver com as construções perversas que são propagadas por um
sistema que as confunde com rapinagem e opressão." Desta forma, começa o
debate sobre a construção de uma estratégia de ruptura e sobre o
desenvolvimento das forças de intenção revolucionária.

Este debate tem toda relação com o tema do Poder Popular. Porque para nós,
esse tema é amplo e traz contribuições significativas para todo o conjunto
estratégico que vai desde as análises da realidade, os objetivos que
pretendemos atingir e os caminhos estratégicos.

Por que falamos de poder? Para nós, o poder se dá para além do Estado. O
poder circula por toda a sociedade e, por isso, há poder nas diferentes
esferas da economia, da política e da cultura/ideologia. O poder existe em
todas as relações sociais que envolvem um conflito e pode ou não se
constituir em relações de dominação e exploração.

A partir desta noção ampla de poder, podemos afirmar que não é possível
tomar o poder de assalto, já que ele está capilarizado e corre por todas
as veias da sociedade. Do nosso ponto de vista, não há determinação de uma
esfera sobre a outra que possa ser prevista a priori e, portanto, não
acreditamos na determinação econômica que é conhecido, no socialismo, como
o esquema de infra e superestrutura.

O poder, portanto, envolve as relações de força e as disputas que estão
presentes em toda a sociedade e que constituem as bases do que chamamos
política. Neste sentido, a sociedade atual é o resultado de determinadas
correlações de forças em que umas superam outras e as coisas vão se
conformando. Hoje, o resultado deste sistema de forças implica poder, mas
também dominação, exploração e opressão.

Para nós, as classes oprimidas devem criar um projeto de poder. Um projeto
de poder que possa se opor e fazer frente às classes dominantes, e que
também possa ser criado e construído por meio das lutas cotidianas.

Falar de "popular" significa dotar o projeto de poder de um caráter
eminentemente classista, ainda que devamos destacar que falamos de poder a
partir de uma perspectiva libertária. Um projeto dos oprimidos e oprimidas
que se dá a partir dos movimentos populares e que faz um acúmulo de força
social necessária para um longo enfrentamento, de passos firmes, fortes,
bem marcados, algo que consideramos necessário do ponto de vista ideológico.

Para nós, o socialismo é uma ideologia e não uma ciência. O socialismo
surgiu como expressão ideológica dos movimentos sociais populares em luta,
e desde de seus primeiros momentos, contou com aspirações,
desejos,indignação, rebeldia, paixões, amores e outros sentimentos que não
podem ser comprovados cientificamente. Assim, o socialismo só pode
constituir-se como este conjunto de elementos que apontam para a geração
de uma prática política no sentido transformador, de intervenção sobre
nossa realidade. E, portanto, ideologia implica teoria e prática.

Compreendemos a teoria como uma caixa de ferramentas que nos permite
interpretar a realidade e os fatos. Entretanto, como afirmamos, sabemos
que as contribuições teóricas devem ter rigor, devem buscar entender a
vida e não encaixá-la em nossas certezas ideológicas. A teoria deve ser
flexível e possibilitar elementos para nossa prática política. A prática,
claramente, também enriquece essa teoria.

Classe e sujeito revolucionário

Nosso classismo se baseia nos diferentes sujeitos oprimidos, independente
de onde estejam. Consideramos que um projeto de classe deve ser construído
por todo o povo, e por povo compreendemos este conjunto de classes
oprimidas que contém trabalhadores da cidade e do campo, assalariados e
desempregados, e todos aqueles e aquelas que sofrem opressões de gênero,
de raça, de etnia, de sexualidade, por este sistema de dominação que é o
capitalismo.

Assim, o sujeito revolucionário não está dado a priori, nem é possível ser
conhecido de antemão. Acreditamos que o sujeito revolucionário é resultado
dos processos históricos e sociais, das lutas dos movimentos populares, e
só pode ser forjado na luta e a partir do processo em que se vai criando a
identidade de classe.

Nossa concepção de Poder Popular implica uma noção básica de que são os
objetivos que conformam a estratégia, e que é a estratégia que condiciona
a tática. Nosso objetivo finalista é o socialismo libertário e nossa
prática é de intenção revolucionária. O projeto de Poder Popular deve,
necessariamente, contribuir com a revolução para abolir a sociedade de
classes.

Para promover o protagonismo nas bases dos movimentos, para criar um povo
forte, é fundamental que tenhamos em mente um plano, um programa
determinado a ser proposto e desenvolvido nestes movimentos. Nos parecem
elementos centrais neste programa não circunscrever ou submeter os
movimentos a qualquer ideologia. É importante sustentar que sejam os mais
fortes e que se unam por meio da solidariedade da prática e das ações
reivindicativas, ao mesmo tempo, garantindo a independência de classe para
que não sejam subordinados aos partidos, ao Estado, às empresas e a outros
inimigos de classe; ou mesmo aqueles que, apesar de demonstrarem certa
afinidade na luta de classes, atuam como vanguarda dos processos de luta.
Parece fundamental, também, que os mecanismos de democracia direta sejam
responsáveis pelas decisões tomadas a partir das bases dos movimentos,
incluindo todos e todas e criando ambientes coletivos e autogestionários.
Os meios, portanto, devem estar de acordo com os fins que defendemos.

A história vem demonstrando que o capitalismo não caminha para sua própria
destruição. Não podemos, assim, esperar que "se suicide". Acreditamos que
é apenas por meio da vontade e das práticas libertadoras que as classes
oprimidas poderão oferecer uma possibilidade de resistência, de
enfrentamento e de construção do socialismo. O capitalismo não traz o
germe do socialismo e, ainda que ele deva começar a ser criado dentro da
sociedade capitalista, ele só se realiza de fato por meio de um processo
de ruptura revolucionária. Tal processo de construção deve se dar no seio
das lutas sociais cotidianas, que acumulam força para nosso projeto de
Poder Popular.

É uma questão de se construir os novos sujeitos históricos, de promover
nosso projeto no seio das lutas e de criar um povo forte.

Trata-se, então, da reconstrução do tecido social, das relações sociais e
também de uma outra cultura, que permitirá, junto com elementos econômicos
e políticos, forjar novos sujeitos capazes de conhecer a si, aos outros e
à realidade. Fundamentalmente capazes de construir e de fortalecer os
movimentos populares, tomando suas decisões, compartilhando com os outros,
capacitando-se, estimulando o fortalecimento de outras pessoas no todo da
sociedade, com autonomia e não dependentes.

Federalismo Libertário

O federalismo tem sido uma forma organizativa, um modelo, um conceito que
compreende a vida social e política do anarquismo ao longo da história.
Ele se corresponde com a incorporação e com a adequação de suas forças
para a resistência no embate com o capitalismo, com a conjunção daqueles
que confluem em pensamento até a ideologia libertária e, também, como
prática para poder projetar, imaginar e criar uma ofensiva contra o
capitalismo que construa a sociedade que queremos: uma nova civilização.

É por isso que o federalismo não deve ser compreendido como um modelo
legítimo por si só. Ele deve ser libertário e, neste sentido, a
constituição ideológica que ele contiver será um elemento determinante no
desenvolvimento de suas forças de transformação.

Esta constituição ideológica determina as práticas que serão geradas,
alheias ao autoritarismo, ao vanguardismo e com uma dinâmica de discussões
"de baixo para cima", oposta ao centralismo e ao unitarismo. Desta forma,
o "para cima" deve ser compreendido como uma construção, por meio da
democracia direta, delegando-se a partir da base e, quando em sua
presença, suas funções se encerram.

Não se trata de um abaixo submisso, não se trata de uma hierarquização
numa relação verticalizada, mas de uma articulação dinâmica e funcional
dos anarquistas a partir dos diversos espaços em que a organização
política projeta sua ideologia. Estes espaços específicos se constroem e
se constituem a partir das frentes de luta popular em núcleos ou grupos de
base, organizados para melhores interpretações e abordagens da realidade
vivida por cada espaço, em uma concepção organizativa de conjunto e a
partir da organização política anarquista.

Este conjunto, esta integralidade, deve ser vasta e diversa, segundo se
desenvolva a luta nos diferentes espaços de inserção. É necessário
reconhecer, na globalidade, que não há "uma só luta" transcendental, acima
das outras, que apague e diminua a importância das demais. Estas lutas
devem ser compartilhadas no interior da organização.

Comunicar e ensinar as práticas políticas de diversas frentes de luta que
provenham de outro meio específico de militância. Enriquecer, por meio
destas práticas, a análise política da realidade, a elaboração teórica, a
solidariedade de classe, tão necessária e demandada nestes tempos.

O federalismo libertário deve potencializar a ação específica e enquanto
conjunto da organização. A isto chamamos federalismo dinâmico, o qual
serve aos propósitos estabelecidos. É aquele que, no marco de uma linha
estratégica geral, de ruptura revolucionária, alimenta o avanço da
resistência ao capitalismo, bem como a projeção de um mundo novo.

Em função do que foi dito, este modelo, esta forma organizativa, deve
integrar-se num organograma que tem origem na base, com respeito às
posições minoritárias, mas construindo uma forma de corpo, com acordos
integrados que delineiem a ação da organização no espaço e no tempo, com
categorias e pautas de convivência necessárias, as quais não geram um
assembleísmo inoperante e que possuem dinâmicas e ritmos que combatem
práticas autoritárias.

Sobreviver ilhados, trabalhando cada um por nossa própria conta, sem
entender-se com outros, sem capacitar-se e preparar-se, sem constituir um
punho forte para golpear "significa condenar-se à impotência, desperdiçar
a própria energia em pequenos atos sem eficácia e rapidamente perder a fé
no objetivo e cair na completa inação".

Assim se concretiza e se fortalece a unidade dos anarquistas, o encontro
para praticar uma nova humanidade, para programar e delinear a estratégia
com a qual desconstruiremos este mundo. Pilares e princípios como a
igualdade, a democracia direta, a autonomia, a independência de classe, a
autogestão, são elementos constituintes essenciais para os libertários do
mundo. Eles devem ser, consequentemente, fundamentais na organização
política.

Trata-se, portanto, de criar, de conceber e de praticar um tipo de
organização que compreendemos ser federalista, com práticas, acordos e
estilos diferentes daqueles do capitalismo. A partir da organização
política até o meio popular ir, assim, aprofundando um pouco mais a idéia
de construir uma organização não só para as necessidades táticas do
presente. Esta organização não pode ser circunstancial, uma necessidade
momentânea, mas deve ser a rocha na qual entalharemos nossas paixões e
desejos, nossa utopia e nossa liberdade.

Imaginar, sonhar, amar um mundo novo. Ver nos companheiros e companheiras
de luta, no povo, a necessidade urgente de transformação por razão de
tanta injustiça, exploração, opressão, levada a cabo em um sistema
asqueroso que devora e cospe, em seu turbilhão cotidiano, tantos irmãos e
irmãs, tanta gente, tanto povo.

Pela construção do Socialismo Libertário, num processo firme e sólido. Por
todos nossos desejos, pela memória de nossos irmãos e irmãs que padeceram
pelo pior desta asquerosidade chamada capitalismo.

Para construir a utopia praticando a liberdade!!!

Pela construção de um povo forte!!!

Arriba las que luchan!!!
Arriba los que luchan!!!


Assinam a declaração:

Coletivo Anarquista Luta de Classes (Brasil)
Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (Brasil)
Columna Libertaria Errico Malatesta (Argentina)
Columna Libertaria Joaquin Penina (argentina)
Federação Anarquista de São Paulo (Brasil)
Federação Anarquista do Rio de Janeiro (Brasil)
Federação Anarquista Gaúcha (Brasil)
Federação Anarquista Uruguaia (Uruguai)
Federação Comunista Libertaria (Chile)
Fórum do Anarquismo Organizado (FAO)
Núcleo Pró-Especifista de Recife (Brasil)
Organização Resistência Libertária (Brasil)
Para Além do Estado e do Mercado (PAEM)
Rusga Libertária (Brasil)
Coletivo Espiral (Costa Rica - observador)

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